14 lições da Missão à China: o que vimos, o que aprendemos e o que isso revela sobre o futuro
- Rogers Pereira

- há 14 horas
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Rogers Pereira
Diretor executivo do Join.Valle
Liderei recentemente uma missão empresarial para a China organizada pelo Join.Valle juntamente com outros quatorze participantes do Ecossistema de Inovação de Joinville e Florianópolis. Mesmo com toda a preparação prévia, ainda assim fui surpreendido. Eu já esperava encontrar tecnologia avançada, cidades gigantes e um ambiente de inovação vibrante. Mas o que vimos ali foi mais do que desenvolvimento tecnológico — foi um país operando em outra escala, outro ritmo e, principalmente, outro modelo mental.
Durante duas semanas, o grupo percorreu as cidades de Shenzhen, Hangzhou, Shanghai e Beijing, visitando algumas das empresas mais relevantes do cenário chinês: Tencent, Alibaba, BYD, Unitree, Das-Security, Mindray, Hikvision, Dahua, KTC, UbTech, e Zhuoyi. O propósito dessas visitas foi compreender de perto as estratégias, modelos de negócio e dinâmicas de inovação que sustentam o protagonismo tecnológico da China.
A seguir, compartilho os principais aprendizados que considero essenciais para quem acompanha tecnologia, inovação e as transformações globais — e também para quem quer entender o papel estratégico que a China está assumindo no mundo.
1. A China deixou de ser “a fábrica do mundo” — e virou uma potência de inovação
As empresas que visitamos apresentam produtos sofisticados, de altíssima qualidade, competindo de igual para igual com grandes marcas globais. Robótica, IA, equipamentos médicos, automação e visão computacional já estão em níveis impressionantes.
A transição é clara: a China deixou de copiar e passou a criar. E isso se reflete no volume de patentes, no ecossistema de pesquisa e no investimento pesado em P&D — algumas empresas chegam a aplicar até 20% do faturamento em inovação.
2. O profissionalismo impressiona
O modo como as empresas recebem delegações é extremamente profissional:
painéis de LED com mensagem personalizada,
fotos oficiais na entrada,
roteiros bem estruturados,
materiais organizados sobre a mesa,
reuniões planejadas,
cortesias simples, como chá servido durante a conversa.
Não é apenas cordialidade. É um país preparado para fazer negócios — e interessado nisso.
3. A escala muda tudo
A China opera em números difíceis de compreender para quem vive no Ocidente. Exemplos que ouvimos lá:
O Alibaba processa mais de 500 mil transações por segundo no pico do Double Eleven.
O WeChat tem 1,4 bilhão de usuários ativos por mês.
O país abriga mais de 100 fabricantes e 300 marcas de veículos elétricos.
O nível de verticalização da BYD é tão alto que ela opera até sua própria mineradora para sustentar a produção de baterias.
Quando a escala chega nesse nível, muda-se a forma de projetar tecnologia, logística, cidades e até políticas públicas.
4. A aplicação prática da IA está por toda parte
A IA não está em testes: ela permeia tudo. Além de detecção de fraude e reconhecimento facial, vimos:
equipamentos hospitalares que geram alertas automáticos,
robôs humanoides respondendo em tempo real,
sistemas de cibersegurança com análise contínua,
pagamentos e logística totalmente automatizados.
A China não discute IA — ela usa IA em escala nacional.
5. Open source como estratégia nacional
Um ponto marcante: várias empresas chinesas estão apostando em modelos de IA open source. Ao incentivar universidades e empresas globais a utilizarem e adaptarem seus modelos, elas:
ampliam difusão,
fortalecem colaboração,
reduzem custos,
aumentam soberania tecnológica,
expandem o ecossistema chinês.
É uma estratégia ousada e muito inteligente.
6. Pensamento de longo prazo como fundamento do progresso
A China opera com planejamento de 50, 30, 10 e 5 anos. Os planos quinquenais — públicos desde 1953 — orientam governo, empresas e universidades.
Esse alinhamento oferece algo raro: clareza de direção. Ninguém precisa adivinhar onde o país quer chegar. Está escrito. E todos seguem.
7. Educação e competição extrema formam uma força de trabalho muito técnica
Com 1,4 bilhão de habitantes, a competição é brutal. O gaokao (vestibular chinês) define o futuro de milhões de jovens. A cultura valoriza profundamente o estudo — especialmente engenharia.
É comum perguntarem “onde você estudou?” antes de “onde você trabalha?”.
O resultado: milhões de engenheiros formados por ano e uma população altamente técnica.
8. Trabalho como prioridade
O famoso “9–9–6” (9h às 21h, seis dias por semana), embora hoje contestado, ainda aparece em vários setores. A lógica é simples: se você não quiser essa vaga, há muitos outros querendo.
É uma consequência direta da competição interna e da pressão social por ascensão.
9. Iniciativa privada forte dentro de um sistema centralizado
A China combina um Estado forte com uma iniciativa privada vibrante. Lojas de luxo, carros premium e consumo de alto padrão convivem com símbolos comunistas pelas cidades.
Nesse modelo, empresas privadas prosperam — mas precisam alinhar suas estratégias ao projeto nacional. Grandes organizações mantêm núcleos do Partido e consideram as diretrizes estatais em decisões estratégicas.
10. Segurança pública altíssima
A sensação de segurança é impressionante. Pacotes na calçada, celulares esquecidos em bancos públicos — e ninguém mexe.
A vigilância onipresente desencoraja o crime, mas há também um valor cultural profundo: ordem, harmonia e respeito às regras.
11. A relação com o governo nasce de uma história muito mais longa que a nossa
A China é uma civilização unificada há mais de dois mil anos, marcada por períodos de fome, guerras e caos. Para muitos chineses, um governo forte não é opressão — é organização.
Não se trata de certo ou errado, mas de história: estabilidade é um valor central.
12. Coletividade acima do indivíduo
A lógica confuciana segue viva. Prosperar significa levantar toda a família junto. Os “hongbao” (presentes em dinheiro, hoje enviados pelo WeChat) são parte do cotidiano.
O foco é no coletivo — não no indivíduo.
13. Um ecossistema digital completo e autossuficiente
Sem Google, WhatsApp, YouTube, Instagram ou Netflix, a China criou seu próprio ecossistema digital:
WeChat
Douyin
Weibo
Youku
Baidu
Pinduoduo
Alibaba Cloud
O país tornou-se digitalmente soberano.
14. Controle rigoroso de mídia e conteúdo
Conteúdos internacionais passam por avaliação prévia, e quase não se vê canais ocidentais. Para nós isso soa estranho; para eles, é normal — parte de uma lógica de estabilidade e controle de narrativas dentro do modelo chinês.
Conclusão: por que tudo isso importa para o Brasil e para Joinville
A missão revelou um país operando com outra lógica, outra velocidade e outra visão de futuro. Entender isso é fundamental para:
criar parcerias de P&D,
atrair investimentos,
fortalecer nossa indústria,
preparar nossas universidades,
fazer negócios com empresas chinesas,
e posicionar Joinville como um hub de inovação conectado ao mundo.
Aprender com a China não é copiar a China. É observar com atenção o que eles estão fazendo — e entender como isso afeta o nosso caminho.
Quem entende a China, entende o futuro. E quem entende o futuro se prepara melhor para construir o seu.
Se quiser saber mais sobre a Missão, estamos realizando palestras gratuitas em empresas e instituições para compartilhar os aprendizados com a comunidade. Envie uma mensagem para o Join.Valle pelo e-mail contato@joinvalle.com.br ou pelo WhatsApp (47) 98479-7055.
Sobre o Join.Valle
O Join.Valle é uma instituição que promove a inovação e o empreendedorismo e fortalece o ecossistema de Joinville e região. Tem como propósito ser um agente transformador, que oportuniza conexões, fomenta negócios e impulsiona o desenvolvimento econômico. Desta forma, contribui para que a cidade seja um dos melhores lugares para se viver e empreender. Sustentabilidade, ética e colaboração são valores que a associação imprime em suas ações, projetos e programas.















